Yuno Silva - repórter
Poeta, escritor e, acima de tudo, um stalinista incurável, Osório Almeida garante ter sido trocado na maternidade por alienígenas assim que nasceu, na cidade de São José do Campestre, em 1947. Há quarenta anos assumiu a missão de semear ideias revolucionárias, e é isso que faz
todos os dias
enquanto circula pelo bairro da Cidade Alta, seu planeta particular. “Costumo dizer que sou um homem do meu bairro, ninguém me vê em outro lugar, só aqui”.
E ele fala sério: só sai de seu território para ir, no máximo, até o Alecrim pagar o plano funerário ou a Ribeira visitar a editora onde roda seus livros. “Não piso em Ponta Negra há uns 30 anos. Depois que virou lugar de turista, de estrangeiro, deixei de ir”, reforça Osório, visto por muitos como o último dos revolucionários.
Macrobiótico comedor de galinha caipira e peixe, comunista que joga tarô, acredita em Odin e na mitologia nórdica, torcedor do Botafogo do Rio de Janeiro e autor de 20 livros, Osório Almeida não tem carteira de motorista e é facilmente identificado nas calçadas da rua Princesa Isabel, epicentro de sua cruzada revolucionária: de estatura mediana e magro, usa óculos grossos de armação redonda,
uma boina ou um boné preferencialmente verde oliva (com direito a estrela vermelha) e não desgruda um minuto da maleta 007 onde carrega “a indústria e o comércio” – “É onde guardo meus livros para venda”, esclarece.
Seus livros são vendidos a preço de custo, e sua popularidade na Cidade Alta é comprovada a cada passo: Osório cumprimenta todos, do vendedor da padaria ao veterano na calçada do Café São Luiz, e todos sabem seu nome. Não raro, durante a conversa, passavam pessoas dizendo “esse é o cara”; “esse merece”.
“Sou um homem realizado, desde os doze anos queria ser escritor e consegui, agora estou retribuindo tudo o que recebi da Cidade Alta: distribuo afeto e ideias revolucionárias, claro!”, informa o escritor, que se diz incorporado a paisagem. “Será que meu fantasma vai ficar vagando por aqui?”, levanta a dúvida.
Açúcar mascavo
Na hora e local combinados para iniciar o passeio por seu “campo de batalha”, basicamente o perímetro conhecido como Grande Ponto no centro de Natal, Osório passa a primeira lição revolucionária daquela manhã: de dentro da inseparável maleta, saca um pote com açúcar mascavo e dispara: “Açúcar branco é feito com ossos, que eles (os yankees) trituram e colocam adoçante para disfarçar o gosto ruim”.
Antes de falar sobre a “grande dificuldade” em se adaptar ao planeta Terra, anuncia que está estreando um boné novo vindo de Cuba – o mesmo verde oliva com estrela vermelha. O poeta errante defende a tese que o “ser humano não é deste planeta, nenhum animal destrói o lugar onde vive como o bicho homem faz”.
Regido pelo signo de escorpião, comumente relacionado aos prazeres da carne, Almeida ressalta que “a camisinha foi a melhor invenção do homem, mais útil que o avião e que a geladeira”, assegura. O escritor tem um filho, Emídio, advogado, casado, radicado em Santa Catarina: “Ele não seguiu minhas teorias, é evangélico. Pelo menos ficou longe das drogas pesadas”. Falando em drogas, aproveita o assunto e tira duas listas da cartola, quer dizer, da maleta: uma lista sobre os malefícios do cigarro e como evitar o aparecimento de câncer.
“Quero viver mais 30 anos, por isso tenho que enfrentar uma disciplina rígida. A palavra principal da minha vida hoje é disciplina, é o preço da sobrevivência”. Osório, irmão do diagramador Moacir Almeida, morava com a mãe Helena Germano, falecida em 2011.
Comunista autônomo
A revolução entrou para valer na vida de Osório Almeida em 1972, após quatro anos trabalhando no mercado financeiro para multinacionais. Na época ele estava no Rio de Janeiro, testemunhou os movimentos em 1968 por lá, até se ver em uma encruzilhada: “Entrei em crise de identidade, passei a perguntar quem sou eu, o que estou fazendo aqui, e resolvi cair na estrada em busca de respostas. Andei 10 mil km, sou fiel a estrada. Não tenho galera, ando sozinho”.
Em 1976, trabalhou nesta TRIBUNA DO NORTE como responsável pela página cultural, até assumir o lugar de Berilo Wanderley no jornal A República, tendo Jota Medeiros, Jóis Alberto e Eduardo Gosson como assistentes de redação.
Osório Almeida lembra que já foi candidato a deputado Estadual em 1982, pelo PMDB, quando amealhou 997 votos. “Quase mil, diga aí!”, comemora. Foi filiado ao PMDB por oito anos, ficou mais 12 no PSDB (“na época era um partido de esquerda”), e ainda tem passagens pelo PCdoB, PDT e é membro fundador do PSol no RN. “Estou fora da política partidária, os partidos viraram geléia geral e hoje sou um comunista autônomo”, afirma, sacando novamente da maleta a edição número 2 do ‘jornalzinho’ alternativo (na verdade uma folha ofício frente e verso) “Tudo Já” e a carteirinha do Clube dos Excluídos – “A palavra excluído, hoje, é o nome do revolucionário. O incluído só quer aumentar sua inclusão no sistema capitalista, eu já rompi e não tem acordo!”
Grande Ponto
Na década de 1920, a esquina da Av. Rio Branco com a rua João Pessoa foi endereço da cafeteria Grande Ponto, que logo se tornaria um ponto de encontro entre artistas, intelectuais, políticos e boêmios. O lugar acabou emprestando o nome para denominar o território em volta, tendo a rua João Pessoa como espinha dorsal ligando os cinemas Nordeste e Rio Grande. “Faz tempo que o Grande Ponto deixou de ser aquela esquina. Eu mesmo considero todo esse perímetro entre Rio Branco, João Pessoa, Ulysses Caldas e Deodoro como Grande Ponto, sendo a Princesa Isabel meu reduto”.
Sobre o tradicional Café São Luiz, atualmente fechado para reforma, Osório lembra que o lugar “já foi um pólo de atividades culturais, artística e políticas. Nos bons tempos, os comícios que aconteciam em Natal acabavam lá. O Café São Luiz era um antro de direita, recebi muita crítica dos amigos por frequentá-lo, mas finquei uma bandeira de esquerda e tinha que manter um território de resistência. Espero que reabra e retome aquele movimento”.Categoria: Artigos/Entrevistas
Poeta, escritor e, acima de tudo, um stalinista incurável, Osório Almeida garante ter sido trocado na maternidade por alienígenas assim que nasceu, na cidade de São José do Campestre, em 1947. Há quarenta anos assumiu a missão de semear ideias revolucionárias, e é isso que faz
todos os dias
enquanto circula pelo bairro da Cidade Alta, seu planeta particular. “Costumo dizer que sou um homem do meu bairro, ninguém me vê em outro lugar, só aqui”.
E ele fala sério: só sai de seu território para ir, no máximo, até o Alecrim pagar o plano funerário ou a Ribeira visitar a editora onde roda seus livros. “Não piso em Ponta Negra há uns 30 anos. Depois que virou lugar de turista, de estrangeiro, deixei de ir”, reforça Osório, visto por muitos como o último dos revolucionários.
Macrobiótico comedor de galinha caipira e peixe, comunista que joga tarô, acredita em Odin e na mitologia nórdica, torcedor do Botafogo do Rio de Janeiro e autor de 20 livros, Osório Almeida não tem carteira de motorista e é facilmente identificado nas calçadas da rua Princesa Isabel, epicentro de sua cruzada revolucionária: de estatura mediana e magro, usa óculos grossos de armação redonda,
uma boina ou um boné preferencialmente verde oliva (com direito a estrela vermelha) e não desgruda um minuto da maleta 007 onde carrega “a indústria e o comércio” – “É onde guardo meus livros para venda”, esclarece.
Seus livros são vendidos a preço de custo, e sua popularidade na Cidade Alta é comprovada a cada passo: Osório cumprimenta todos, do vendedor da padaria ao veterano na calçada do Café São Luiz, e todos sabem seu nome. Não raro, durante a conversa, passavam pessoas dizendo “esse é o cara”; “esse merece”.
“Sou um homem realizado, desde os doze anos queria ser escritor e consegui, agora estou retribuindo tudo o que recebi da Cidade Alta: distribuo afeto e ideias revolucionárias, claro!”, informa o escritor, que se diz incorporado a paisagem. “Será que meu fantasma vai ficar vagando por aqui?”, levanta a dúvida.
Açúcar mascavo
Na hora e local combinados para iniciar o passeio por seu “campo de batalha”, basicamente o perímetro conhecido como Grande Ponto no centro de Natal, Osório passa a primeira lição revolucionária daquela manhã: de dentro da inseparável maleta, saca um pote com açúcar mascavo e dispara: “Açúcar branco é feito com ossos, que eles (os yankees) trituram e colocam adoçante para disfarçar o gosto ruim”.
Antes de falar sobre a “grande dificuldade” em se adaptar ao planeta Terra, anuncia que está estreando um boné novo vindo de Cuba – o mesmo verde oliva com estrela vermelha. O poeta errante defende a tese que o “ser humano não é deste planeta, nenhum animal destrói o lugar onde vive como o bicho homem faz”.
Regido pelo signo de escorpião, comumente relacionado aos prazeres da carne, Almeida ressalta que “a camisinha foi a melhor invenção do homem, mais útil que o avião e que a geladeira”, assegura. O escritor tem um filho, Emídio, advogado, casado, radicado em Santa Catarina: “Ele não seguiu minhas teorias, é evangélico. Pelo menos ficou longe das drogas pesadas”. Falando em drogas, aproveita o assunto e tira duas listas da cartola, quer dizer, da maleta: uma lista sobre os malefícios do cigarro e como evitar o aparecimento de câncer.
“Quero viver mais 30 anos, por isso tenho que enfrentar uma disciplina rígida. A palavra principal da minha vida hoje é disciplina, é o preço da sobrevivência”. Osório, irmão do diagramador Moacir Almeida, morava com a mãe Helena Germano, falecida em 2011.
Comunista autônomo
A revolução entrou para valer na vida de Osório Almeida em 1972, após quatro anos trabalhando no mercado financeiro para multinacionais. Na época ele estava no Rio de Janeiro, testemunhou os movimentos em 1968 por lá, até se ver em uma encruzilhada: “Entrei em crise de identidade, passei a perguntar quem sou eu, o que estou fazendo aqui, e resolvi cair na estrada em busca de respostas. Andei 10 mil km, sou fiel a estrada. Não tenho galera, ando sozinho”.
João Maria AlvesOsório Almeida, poeta, escritor e revolucionário
Em 1976, trabalhou nesta TRIBUNA DO NORTE como responsável pela página cultural, até assumir o lugar de Berilo Wanderley no jornal A República, tendo Jota Medeiros, Jóis Alberto e Eduardo Gosson como assistentes de redação.
Osório Almeida lembra que já foi candidato a deputado Estadual em 1982, pelo PMDB, quando amealhou 997 votos. “Quase mil, diga aí!”, comemora. Foi filiado ao PMDB por oito anos, ficou mais 12 no PSDB (“na época era um partido de esquerda”), e ainda tem passagens pelo PCdoB, PDT e é membro fundador do PSol no RN. “Estou fora da política partidária, os partidos viraram geléia geral e hoje sou um comunista autônomo”, afirma, sacando novamente da maleta a edição número 2 do ‘jornalzinho’ alternativo (na verdade uma folha ofício frente e verso) “Tudo Já” e a carteirinha do Clube dos Excluídos – “A palavra excluído, hoje, é o nome do revolucionário. O incluído só quer aumentar sua inclusão no sistema capitalista, eu já rompi e não tem acordo!”
Grande Ponto
Na década de 1920, a esquina da Av. Rio Branco com a rua João Pessoa foi endereço da cafeteria Grande Ponto, que logo se tornaria um ponto de encontro entre artistas, intelectuais, políticos e boêmios. O lugar acabou emprestando o nome para denominar o território em volta, tendo a rua João Pessoa como espinha dorsal ligando os cinemas Nordeste e Rio Grande. “Faz tempo que o Grande Ponto deixou de ser aquela esquina. Eu mesmo considero todo esse perímetro entre Rio Branco, João Pessoa, Ulysses Caldas e Deodoro como Grande Ponto, sendo a Princesa Isabel meu reduto”.
Sobre o tradicional Café São Luiz, atualmente fechado para reforma, Osório lembra que o lugar “já foi um pólo de atividades culturais, artística e políticas. Nos bons tempos, os comícios que aconteciam em Natal acabavam lá. O Café São Luiz era um antro de direita, recebi muita crítica dos amigos por frequentá-lo, mas finquei uma bandeira de esquerda e tinha que manter um território de resistência. Espero que reabra e retome aquele movimento”.Categoria: Artigos/Entrevistas
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